Para casa  

Posted by André M

Corria. Enquanto o galope da montaria deixava a trilha dum som surdo, e no chão, as marcas da pisada forte, o sangue corria. Corria veloz nas veias; veias que harmonizavam com as do animal que montava. As veias do animal traçavam o cansaço em seu corpo, as do cavaleiro diziam a tensão da fuga.

Corria. O animal corria. O cavaleiro pensava. Pensava se deveria parar. A adrenalina corria, a bainha da espada chocava a ponta de metal ao metal do estribo. O metal vibrava, e vibrava, na mesma sintonia, a mente afiada do fugitivo. A adrenalina vibrava o corpo; o metal da espada correu pela bainha. O cavaleiro parou.

O vento assobiava veloz, e o frio navalhava seu caminho pelo rosto. Era noite de inverno. O inverno frio daquela região. O cavaleiro apeou e o capuz que cobria a cabeça correu as costas, revelando as enormes presas inferiores do maxilar potente, e a total ausência de nariz, apenas narinas. A luz da lua batia forte à encosta da montanha. Ali estavam o orc e sua montaria. O gigantesco bode montanhês carregava tudo, menos a espada. O guerreiro carregava a espada. A espada guiava o guerreiro.

Com um forte tapa no lombo fez a montaria correr. O bode escalou habilmente a encosta, caminho de casa. O outro, porém, não sabia se voltaria para casa. Um suave cheiro de pólvora salpicou o nariz treinado do guerreiro, que logo pressentiu o pior. Já estava ali!

No breu da copa de uma árvore, uma faísca vermelha queima o pavio de um rifle. A faísca brilha pequena como um vaga-lume, cintilando na periferia da visão do orc, que esperava... É mais que suficiente. Já voltado à direção do franco atirador, sacou a espada, ao mesmo tempo em que o estrondo da pólvora rompia a bala através do cano. Com um balançar semelhante ao do pescador que lança a isca na água, cortou a bala num instante.

Porém, seguido à bala, surgiu o próprio rifle, que voava velozmente e agora, com a proximidade, exibia uma grande ponta de lança. A guarda da espada estava baixa após o primeiro corte, e o corpo não havia recuperado todo o equilíbrio. Com um ligeiro giro no próprio eixo, o orc evitou o golpe fatal, desviando seu coração da trajetória, mas sendo cravado pelo metal frio no ombro esquerdo.

O caçador saltou bruscamente da árvore para o ar. O espadachin olhou para cima e pôde ver, cravada na lua, a silhueta sinistra de seu inimigo, que já empunhava duas pistolas apontadas ameaçadoramente. De repente a atmosfera mudou e o frio não mais existia. Do ar, enquanto mirava o alvo, o perseguidor viu a realidade bruxulear ao redor de sua presa, que envergava os joelhos, preparando-se para saltar. Todo o cenário ao redor retorcia-se perante a grande aura de calor que emanava do corpo do orc; o ferimento no ombro esquerdo estava cauterizado.

A visão perturbadora do fogo que começava a envolver o corpo do guerreiro paralisou o caçador por um instante, mas este se recuperou rapidamente alvejando sua presa do ar. Com o salto, todo o fogo que antes envolvia o corpo do orc agora queimava na espada numa chama azulada, que a assemelhava a um gigantesco maçarico. Enquanto o franco atirador descia disparando inúmeras balas, o espadaschin subia em sua direção, atravessando o ar entres os projéteis e defletindo-os quando necessário. O orc emanava fogo dos olhos e com um golpe transversal, de baixo para cima, rompeu a espada contra o corpo de seu perseguidor. Um estrondo de rojão ecoou no céu e quando o orc aterrissou, seguido a ele, uma chuva de fuligem cobriu o solo ao redor, sem nenhum rastro do atirador... Apenas fuligem.

            Até que enfim, podia voltar para casa.

           

 



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