Clÿo vs Amnu  

Posted by Harijan D

Os dois monges caminhavam pela estrada.
- Se bem me lembro, da luz vieste à vida.
- Porém, da escuridão vieste, sem saber, homem ou mulher.
- Á luz da verdade, estamos aqui caminhando.
- Para onde vamos e o que acontecerá, não sabemos.
- Em nossos passos, há verdade em cada pisada.
- Se souberes o que penso, talvez mude teus saberes.
- Que há conflito, não resta uma dúvida sequer.
- Mas não cabe a nós decidir quando e onde, também.
- Nos Céus, podemos ver as infinitas estrelas brilhar.
- No imenso Vazio atrás, quais outras se escondem.
- Se ao Corvo circundamos, outros sois vida criavam e criarão.
- Se há o Breu, quantas possibilidades hão?
- Ao que nas Nuvens iremos.
- Ou não...

Pararam. Observaram-se e se prosternaram. Em guarda permaneceram. E após diversos ciclos, moveram-se.
A Lucidez de Asura fez dalí, duma antiga montanha, antes pertencente à uma bela serra, um bonito vale.
O Delírio de Ruzaho transformou a floresta logo ao lado, em campina pronta para o arado.
O raio de Luz subiu aos Céus. A sombra de Escuridão desceu à Terra.
E a trama daqueles golpes que só se encontrariam na penumbra se deu para sempre.
Na dúvida certa, as cores do crepúsculo.

Era uma vez um tolo...  

Posted by Harijan D

Arn'hen Dumbaut era seu nome. Um sujeito alto, de porte físico que exuberava saúde, e aliado ao seu ímpeto implacável, era um legítimo realizador de façanhas inacreditavelmente estúpidas.

Não fazia nada demais da vida. Acordava todos os dias depois do nascer do sol, ficava assistindo a programação estúpida que passava naquela magivisão, ao som daquela chuva incessante e mórbida caindo sem parar além de sua janela, como todo habitante de sua cidade. Completara vinte e poucos anos há poucos dias, mas não deu festa nem comemorou, pois não tinha amigos. Muitos de seus vizinhos estranhavam seu comportamento apático, mais ainda, o dos seus pais, por deixarem um filho solto na vida. A verdade era que eles tentaram de tudo para fazer do jovem Arn'hen, um grande artesão das letras, na intenção de manter o legado dos Dumbaut, escrivães renomados de Lumina.

Não terminara seus anos de ensinamentos básicos na Academia das Letras Comuns, pois fora expulso, acusado por diversas arruaças, causadas em sua maioria, por não pensar muito antes de agir, ou falar. Fora muitas vezes detido em castigo por respostas inapropriadas aos mestres, bem como maus tratos aos colegas. Estes, que jamais ousaram semear amizades com Arn'hen. Os poucos que tentaram, desistiram da idéia após a primeira troca insuportável de palavras. Certa vez, fora obrigado a lavar louça durante todo um ano, de todos os alunos, ao ter, por extravagância, comido secretamente, antes, durante, e diversas vezes após o horário de almoço. Mas, descoberto foi, por quase atear fogo na academia inteira, quando fora esquentar a comida e esquecera seus livros do lado do forno ligado, o que provocou uma imensa labareda e a perda de cinco meses de mantimentos.

Tudo isso chateava Arn'hen, mas de uma coisa ele gostava, e muito... Atear fogo. Não fora por acaso que os livros, queimando, passaram misteriosamente seu calor através de toda a cozinha, incinerando cada elemento que dali ateasse fogo.
Todos sabem o quanto o fogo é encantador, com sua dança inconstante de ritmo frenético, imprevisível e hipnotizante. No entanto, alguns dizem nunca terem visto alguém com tanta voracidade pelo fogo e sua proliferação, como Arn'hen. Somado ao seu caráter estranho e comportamento imprevisívelmente explosivo, ganhava assim alcunhas que muitas vezes nem obtinha conhecimento. Algumas delas eram: estúpido faisquento, idiota das chamas, cabeça de explosão, cérebro torrado, aquele-que-não-se-deve-emprestar-isqueiros-lâmpadas-ou-quaisquer-coisa-que-ateie-fogo, entre outros...

Mas algo na vida de Arn'hen ajudava-o, e de alguma forma, acreditava em sua capacidade, que evidentemente ninguém percebera. Era seu irmão gêmeo, Lud'hen Dumbaut. Este, apesar da aparência idêntica, era muito diferente do irmão. Eloqüente, pensador, escrivão de altíssima categoria e habilidade, e com seu modo descontraído, era um verdadeiro ímã de amigos e admiradores. Em pouco tempo, logo após se formar na mesma academia que seu irmão fora expulso, passou no exame e foi admitido na Academia de Estudo das Técnicas Mágicas. Em menos de dois anos, já comportara dentro de sua mente conhecimentos mil sobre diversas magias, assim como toda teoria e história a seu respeito. Absorvera tudo que a academia dispunha, de livros secretos, até truques pessoais de professores veteranos da Casa. Era então, um renomado mago, conhecido em diversas partes do mundo, não apenas na Capital dos Homens.

E de algum modo, Arn'hen não sentia inveja, nem nunca havia sentido, ao contrário, orgulhava-se sinceramente das vitórias de seu congênere. Em certos momentos, principalmente quando outros bem diziam a Lud'hen, e ao nome dos Dumbaut, sentia como se fosse a ele dirigido os elogios, o que reconfortava-o plenamente. E embora soubesse, inconscientemente, que os comentários aos méritos do irmão agradavam-no e muito, e que para ter o mesmo para si precisaria empenhar-se igualmente, cansava-se no exato instante que imaginava os esforços necessários para tal.
Sua paixão pelo fogo consumia-o, assim como sua vontade de queimar a tudo.
Seu irmão tentara por diversas vezes incitar-lhe a curiosidade maior, o desejo pelo saber. Mas era inútil. Depois de ter sido expulso da academia, Arn'hen não agüentava ler uma página sequer de qualquer livro.

Lud'hen voltara de uma difícil jornada para além Norte de Lumina, com objetivos não revelado à seu irmão e família. A primeira coisa que fez ao chegar à cidade-nunca-seca, foi procurar o irmão e saber o que fazia da sua existência.
Encontrou Arn'hen em uma Guilda de Construtores, sendo um operador de forno para tijolos de lama-ferro. Fazia assim, tijolos noite e dia. Decidira morar na sede da Guilda, e mesmo não tendo a atenção de outros funcionários, que já o tratavam com o respeito mínimo pela camaradagem de serviço, passava mais tempo no forno do que longe dele.

O reencontro não foi muito animador. Arn'hen transbordava indiferença a tudo, até mesmo ao seu irmão, embora nesse caso fosse apenas externamente. De fato admirava-o muito. Mas havia passado seu aniversário sozinho, e pouco havia feito, senão ficado um pouco alegre, após ter tomado uma dose daquelas bebidas, que volta e meia usurpava da garrafa de um companheiro de trabalho, de teor alcoólico forte e gosto amargo.
O irmão gênio perguntou ao tolo:
- Não te entendo... Sei de seu desinteresse para os caminhos de uma vida gratificante. Mas estar aqui, assando tijolos... Acha isto realmente digno?
- Apesar de viajar tanto, - replicou Arn'hen, enquanto coçava a cabeça e já se preparando para inserir uma nova leva de tijolos ao fogo - parece que te faltam miolos pra completar a Grande Sabedoria. Estou feliz aqui, trabalhando no forno.
Lud'hen mantinha um semblante rígido, como que, nas muitas raras ocasiões, transparecendo um ar desaprovador ao local onde o irmão acabara, ou melhor, escolhera estar, e voltou a questioná-lo:
- Não tens vontade de estudar? De conhecer mais sobre a origem das coisas, o porquê disso tudo? - falou fazendo um gesto circular com ambas as mãos.
- Fui expulso da academia. Não quero mais ver a cara daquela gentinha nunca mais. Quanto mais estudar.
- Mas lendo você pode viajar quilômetros, eternidades, sem sair do lugar.
- Ler é um estorvo, desgasta muito...
- Virar páginas cansa-te? - indignou-se o gênio, ao que provavelmente se indignaria mais, caso soubesse que na cabeça do irmão pairavam pensamentos destas faladas páginas, porém queimando uma a uma - E viajar? Conhecer novos lugares, novas pessoas? Não te interessas?
- Nem um pouco. Não gosto das pessoas, sabe disso.
- E monstros? Caçar, lutar, ganhar conhecimento na área militar, o que acha?
- Arriscar minha vida? Ou para ficar ouvindo ordens? Ser tratado como cão? Menos ainda...
- E meditar? Por que não procura conhecimentos ocultos através da paz de espírito?
- Nesse caso vou perder tempo sem nem ao menos produzir nada.
- Fazes o mesmo estando aqui.
- Pessoas precisam de lugar para morar. Eu ajudo fazendo tijolos, para futuramente serem usados. Não perco meu tempo à toa.
- Tudo bem, apenas quero te mostrar uma coisa que trouxe da minha última viagem. Mas preste atenção no que vou dizer, não ouse tocar nele quando mostrar-lhe, as conseqüências podem ser desastrosas.
Lud'hen então puxou de um dos bolsos, um pequeno saco aveludado púrpura. Antes de revelar seu conteúdo, fechou os olhos, em seguida começou a massagear suavemente. Ficou por alguns minutos assim, até que Arn'hen, já entediado, voltava-se para a enorme pá de pegar tijolos, quando Lud'hen interrompeu-lhe, dizendo para não tirar os olhos dele. Assim que parou, procurou algum lugar agitando a cabeça, e dirigindo-se para uma bancada sem tijolos, depositou o saco com muita cautela, puxando-o com a precisão de um cirurgião realizando uma operação delicada. Era possível apenas ouvir o som do fogo crepitando, pois nesta hora, apenas os dois se encontravam no local. O silêncio profundo da ocasião desconfortava Arn'hen de tal modo, que já mais do que entediado, aspirou com força, sonorizando o ato propositadamente. Tal quebra na concentração admirável em que Lud'hen se encontrava, fê-lo antecipar seu movimento, puxando o saco rápida e desastradamente. Ao sair, o conteúdo iluminou todo o prédio em que estavam, sendo possível, para quem estivesse nas ruas e aos redores, ver luzes das janelas e frestras. Tal claridade no ambiente subitamente desapareceu. Ao abrir os olhos, Arn'hen viu Lud'hen contorcendo-se em movimentos desconexos e estranhos. Perplexo, chegou perto para observar, e contemplou a mais bela visão de sua vida. As mãos de Lud'hen desenhavam uma forma mágica esférica estranha no ar, em seu centro havia uma criatura pequena de lava incandescente, em posição fetal, muito similar à uma estátua de fogo. A criatura se debatia, se retorcendo num aparente cárcere sofrido. Lud'hen, que agora estava banhado em suor, contraia seus músculos enquanto recitava palavras alheias ao entendimento de Arn'hen. A situação não parecia boa, mas Arn'hen não conseguia de forma alguma tirar seus olhos da criatura. Estava encantado. Tal encanto fora transformado em pena pelo pobre ser, e sem entender o porquê da situação, pediu para o irmão parar. Não obteve resposta, apenas um sonoro "SILÊNCIO!". Nunca recebera uma reprimenda do irmão gênio, e ficou magoado por isso. A mágoa, somado ao sentimento de ver a criatura aprisionada, rapidamente transformou-se em revolta. Observou novamente a criaturinha, que agora emitia um gemido baixo, e empurrou o irmão. A forma mágica se partiu, e desvaneceu. A criatura de fogo, descontorceu-se e esticou-se, emitindo neste mesmo instante, uma gigantesca explosão de fogo.

A explosão destruíra todo aquele edifício, bem como os outros edifícios adjacentes, criando uma enorme cratera naquele platô. Os Domadores do Fogo já se encaminhavam para o local. Não houveram tantos mortos, apenas algumas dúzias, e comparado com outros incidentes desta cidade, não era um acontecimento tão grande, portanto, não seria nada mais que uma breve passagem no jornal da manhã seguinte daquele distrito.
Em pouco tempo, cerca de mais de meio de ano, outro edifício já ocupava o local, desta vez, era um edifício residencial, erguido por um Burguês que desejava uma moradia adequada para a família de seus empregados.

No dia do ocorrido desastre, muitos ouviram o som daquela explosão, poucos a viram, menos ainda entenderam-na, e apenas um homem permaneceu vivo daquele incidente. Arn'hen Dumbaut era seu nome. Mentes comuns duvidariam do extraordinário fato ocorrido. No micro instante daquela explosão, ao ter seu corpo desintegrando naquele milésimo de segundo, Lud'hen pôde ver, em espírito, aquilo que demorou muito para conseguir impedir, ver o gênio do fogo em total liberdade. Mais perplexo ficou, ao procurar pelo irmão, e notar que este, a vida em nada tinha perdido, talvez até estivesse melhor. E realmente estava. Arn'hen nem fazia idéia do significado da sensação do momento, apenas que havia se tornado o um com o fogo. E foi desta situação, que o inesperado aconteceu, o gênio falou:
- Tu amas o fogo - olhando para Arn'hen - mais do que pude ver em outro ser qualquer. Por simpatia tal, que me agrada e muito, viverás. Vemos-nos por aí!
Ao terminar de falar, o gênio distorceu sua forma rodopiando, desvanecendo para todos os lados, fundindo-se com a explosão.

- QUE?! - gritou Lud'hen, em espírito. - Isso só pode ser brincadeira! E das piores!
Arn'hen, que agora saía daquele torpor mágico que se encontrava, percebeu então que seu irmão sumira, bem como aquele prédio onde estavam. A chuva não estava forte, mas caía constantemente, encharcando-o antes mesmo de voltar à si. Começou a ficar sem ar, entrara em estado de choque, pois percebera a besteira que fizera. Não ouviu as palavras do irmão, e por isso, este havia desaparecido provavelmente morto. Saiu dos destroços sem saber para onde ia. Começou então a chorar, sem saber o que dizer para seus pais quando os visse.

- Pode parar de chorar!
Da frase que ecoou em sua cabeça, acreditou estar louco, ouvindo vozes do além. Vozes iguais a do seu irmão.
- Seu desgraçado! Incopentente! Desafortunado e desaventurado seja! Me fez perder tudo aquilo que adquiri, e pior, tudo aquilo que ainda tinha de fazer! - gritou a voz de seu irmão.
Arn'hen Estava mais confuso do que nunca, chorava e soluçava palavras de perdão e arrependimento.
- Não adianta pedir desculpas depois de ter feito a merda! - bradou o espírito de Lud'hen. - Agora, escute bem, vais estudar tudo que estudei e viajar tudo que viajei. Vais ser reconhecido no mundo inteiro como o meu sucessor. O irmão que nunca apareceu, mas que vai fazer muito mais do que fui capaz. E se pensar em desistir, tornarei sua vida um pesadelo! Esforce-se ao máximo, que daqui por diante, pensarás por dois!

Má digestão  

Posted by Harijan D

O clima estava ameno, a luz era tão branda que dificilmente olhos normais enxergariam além do palmo. O chão estava repleto de grama e outras pequenas plantas rasteiras. Seus passos, pesados e desregrados, guiavam-no sem direção. Já fazia algum tempo, seu estômago permanecia repleto apenas de ar, sendo preenchido periodicamente por porções de terra úmida, com alguns insetos e lascas de árvores, porém, nada disso convém com sua dieta imprescindívelmente carnívora.

Vagou por algum tempo sem esperanças. Já havia degustado todos os animais menores que encontrara. A fome era tanta que os comera assim que os capturara, sem nem sequer pensar em guardar para um futuro cozido. Seus sentidos desvaneciam negligenciando-o, pois carenciava energia. Seu olfato não sentia nada, e a vista, que já não era boa, por diversas vezes iludia-o, sendo as piores destas em vezes que vaga-lumes acabavam por voar em duplas, simulando pares de olhos brilhantes, quase desgastando-se inutilmente, pois sempre pensava, antes de mais nada, com as covas nasais.

A floresta permanecia quieta, brincando com seu resquício de sanidade. Andou tanto sem prestar atenção por onde ia que, sem perceber, foi surpreendido por raios solares. Estes perfuravam as copas ondulantes das gigantescas árvores daquela floresta. Na encosta de uma raiz imensa, reenconstou em um tronco que ali jazia, evitando assim, aquela incômoda claridade. Baixou a cabeça e deglutiu um pouco da lama sob seus pés. No ímpeto de driblar um pouco da sua fome, não percebeu a imensa pedra que trazia escondida no bolo de terra, e engasgou-se. Tossiu duas vezes, e na terceira retornou-a à boca com o auxílio de uma pancada na altura do estômago, triturando-a com seus dentes, engolindo seus farelos. Urrou de raiva quando seu estômago contraiu dolorosamente, e no mesmo momento, percebeu! Saltou em desespero, sendo alvejado pelos raios solares, mal sabendo para onde ia, apenas guiado pelo nariz. Derrubou algumas árvores menores que ousavam interpor seu caminho, saltou e aterrizou em um elevado na esquina de um rio.

O cheiro estava forte, tão forte era, que seu estado físico mudara da água para o vinho em segundos. De olhos inquietos perscrutando cada nuance do ambiente, dava a cada virada brusca de sua cabeça uma grande e furiosa tragada de ar, buscando sentir o cheiro com clareza, assim como a direção do dono.
A luz refletida na água ofuscava seus cegos olhos, que não foram suficientemente rápidos em perceber aqueles dois chicotes, voando rapidamente, proveniente de direções opostas mas com o mesmo alvo. A velocidade deles era tanta, que cortavam as folhas de outono esvoaçantes, podadas pelo tempo antes mesmo destas chegarem ao solo. Em posição transversal uma à outra, acertaram-lhe em cheio. Um chicote abateu na altura dos joelhos, o outro preenchia a coluna enquanto lançava-o rodopiando no ar, na direção da outra margem do rio.



Rolou algumas distâncias, levando consigo rochas, plantas e alguns animais menores, que por infelicidade, habitavam ali.
Antes de levantar a cabeça, ouviu um assobio do vento, acompanhado de um cheiro deleitoso, vinda da fronte. Ergueu a cabeça e apontou o nariz para frente, e numa aspirada forte de ar, sugou aquele ser pequeno. Tanta foi a potência daquela sucção, que elevou o infeliz atacante do solo, fazendo a certeza de um perfeito reforço alimentar voar em sua direção. O choque foi intenso. Sua palma havia preenchido toda a parte lateral, das costelas às pernas do corpo daquele pequeno ser, que nem mesmo teve tempo de reagir, fora engolido. Sentiu-o lutar, então removeu todo ar de seus pulmões, e inspirou ao máximo que pôde, para depois socar suas próprias costelas, que de tanta violência romperam a parede do estômago, cessando os movimentos de luta no seu interior, bufando todo ar em seguida. O alívio era incomensurável, sendo evidenciado com o som gutural do ar, acompanhado de diversos outros detritos, no colossal arroto de alguns minutos.

Alimentado, e de sentidos reaguçados, pulou agilmente, esquivando-se de uma chuva de folhas pontiagudas que viera em sua direção. Agarrou-se em um espesso galho, observando o estrago daquele ataque ao local onde estivera antes, e se não fosse pelo aperitivo revitalizando seu olfato, dificilmente teria detectado o outro ser logo acima de sua cabeça, no galho onde se agarrava. Rapidamente agarrou a perna deste, soltando-se em seguida, caindo ao solo à toda velocidade, e com incomensurável brutalidade, antes mesmo de pisar ao chão, arremeteu a pobre criatura ao solo. Colocou o pequeno ser abatido e desacordado dentro do saco velho que trazia consigo, amarrado ao cinto improvisado de cipós e panos velhos. Mal teve tempo de fechar o saco, e suas narinas converteram, cada buraco para um lado, apontando os inimigos que agora corriam em sua direção, cada um proveniente de direções diferentes, na tentativa de flanqueá-lo. Sorriu, afundou o pé esquerdo no chão, jogando lama no rosto de um que vinha furiosamente à frente. Este, parou abruptamente sua investida, tão grande fora sua surpresa pela finta, que reverberava ao mesmo tempo em que se desvencilhava da sujeira que o cegara. Ao ver que seu truque funcionou, emitiu um som estranho, parecido com uma risada desajeitada de criança, e sem olhar, jogou o saco na direção do outro atacante, que mudou de postura rapidamente para agarrar o seu companheiro ensacado, projetado ao seu peito. Sem deixar o primeiro distraído recompor-se, caiu sobre ele seu punho esquerdo cerrado, derrubando-o ao chão. Sentiu sua barriga remexer, achou que o lanchinho não fora digerido direito, mas, ao virar-se, percebeu que havia tomado uma pancada do segundo, que já recuara um semi passo para desferir outro golpe, ficando à frente do saco jazido no solo. Este, foi lento na tentativa, ou não causara suficiente impacto com o primeiro golpe, pois recebeu um chute que o arremessou longe.

Ambos estavam desacordados, e agora, faziam companhia ao primeiro capturado. Sentiu a barriga roncar, a fome ressurgiu à tona. Desde sempre, graças aos seus dotes nasais, utilizava o olfato como o principal sentido, detectando inclusive, o gosto das coisas antes mesmo de prová-las. O cheiro daquele que agora o fazia contorcer-se, não parecia ruim na hora, ao contrário, o cheiro do quebra-jejum era extremamente agradável, como o de uma fruta de polpa voluptuosa e carnuda, exuberante em sabor. O aperitivo não era dos mais gordos, cessando mais sua ânsia pela satisfação, do que a fome propriamente. Mas a fome era tamanha, que ainda necessitava de mais. Aquele aperitivo serviu-lhe bem, pois poderia ter sucumbido ao súbito ataque daqueles seres saborosamente detestáveis.

Embora, menos que antes, ainda faminto, retornava feliz por onde percorrera. Agora, sua semi-lucidez permitia-o perceber diversas plantas, fungos, insetos e outras maravilhas naturais que, como tempêro, complementavam a sua tão apreciada e divertida culinária.
Pensava em quais pratos poderia, com o achado do dia, dar-se ao luxo de fazer.
Talvez pernas grelhadas, ou tripas ao molho de cogumelos-cansados. Este era bom, mas dava um sono terrível, possivelmente fazendo-o acordar com mais fome que estivera antes de comer, de tantos dias que poderia passar dormindo. Claro que isso variaria de acordo com a proporção de cogumelos utilizados na receita, mas ele se conhecia o suficiente para saber que não era uma boa idéia, dado o infeliz momento de escassez.
Pensou em mais alguns pratos, práticos, de rápido preparo, como um bom e velho flambado, ou um grande ensopado, com alguns leguminosos revoltados, sapos vermelhos para dar cor, e ervas diabólicas, seu condimento preferido pela ardência!
Fez-se ao longo do caminho, pegando o que surgia e depositando tudo em um saco menor, deixando então para decidir no momento, qual prato seria o do dia.

Finalmente retornou à caverna. Esta, fora lapidada pelo tempo, graças às erosões numa colina, fazendo com que algumas árvores despencassem, entortassem, e formassem aquele corredor de raízes, agora podadas rudimentarmente por mãos grosseiras. Uma porta guardava aquela fenda natural. Tão pesada era, que precisou encobrir o chão com diversas rochas antes de inseri-la, impossibilitando aquele colosso de pedras e troncos, que para ele parecia até um arbusto, afundar no chão macio de terra molhada.

Se o ambiente externo onde se encontrava a caverna, já era escuro, dentro era como o lar das mais nefastas criaturas, e realmente era, mas só de uma. Adentrou-a, sem nem ao menos fechar sua porta, pois sua cabeça estava à mil, assim como sua fome. No escuro, mordeu o ar com força algumas vezes, até que criou uma faísca, acendendo uma tocha velha enfiada pela metade na parede, iluminando precariamente aquele alto, porém apertado aposento.
Depositou o pesado saco no chão. Pegou um grande caldeirão, cheio de restos das refeições anteriores. Juntou alguns troncos e madeiras podres, reservados especialmente para o preparo de suas sestas, e com a tocha da parede, fez uma larga e circular fogueira. Pegou o caldeirão e dirigiu-se com ele até um buraco no solo. Com um tipo de concha grande e comprida, enfiava no buraco, retirando porções de uma água escura, enchendo assim, a grande panela. Depositou-a no fogo. Pegou o saco menor, e derramou seu conteúdo em uma mesa ao lado do caldeirão. Em cima da mesa encontravam-se algumas pedras, objetos de madeira estranhos, alguns utilizados por estes pequenos que trazia para jantar. Com uma pedra lisa, circular e achatada, similar à uma faca, despedaçou alguns cogumelos, cortou algumas ervas diabólicas, estas com o devido cuidado para não tocá-las, pois seu contato pode infligir terríveis aflições. Retirou alguns sapos vermelhos, e espremeu-os no caldeirão. Jogou mais algumas especiarias, e com a concha estranha, mexeu a água, que a essa altura já exalava uma fumaça denunciando sua temperatura, assim como um odor, que, se para alguns traria até as tripas ao chão, para ele, trazia o êxtase máximo.

Saltitou alegremente até o saco maior, que permanecia imóvel há tempos. E na hora em que ia tocá-lo, uma voz se fez ouvir:
- Alto lá!
Sem entender nada, pois não sentiu o cheiro de ninguém chegando, virou-se à porta, para nada ver. Coçou a cabeça, aspirou profundamente, e nada... Voltou-se então novamente para o saco, e novamente a voz se fez:
- Eu disse pra parar! Seu Trolo estúpido!
Furioso com o insulto urrou tão alto, que a caverna tremeu, fazendo cair uma chuva de detritos das paredes e do teto. Tão forte fora o acesso de raiva, que o saco começava a se mover. Ao perceber que sua refeição despertara, deu uma longa passada, já com o braço direito realizando um movimento vertical circular, para cair sobre o saco e assim, decididamente, comer um purê. Porém, no momento em que sua mão estava acima da cabeça, golfou um pouco de seu sangue negro, ao mesmo tempo em que uma enorme pressão era exercida de dentro pra fora de sua caixa torácica. Quando olhou para baixo, viu sendo-se perfurado de dentro para fora, com uma lâmina formada por folhas, tão bem adornadas e dispostas umas às outras, que fascinado pela sua exuberância esqueceu-se da dor por alguns segundos. Mas o agressor não fora gentil, e rasgou-lhe a barriga por completo, saltando de dentro dela com agilidade, exalando a fumaça proveniente do ácido estomacal. O intrépido pequeno, de cabelos formados por longas folhas azuis, balançou-se então para retirar o excesso daquela gosma asquerosa, demonstrando não sentir dor alguma com o ácido no corpo, e disse, com um largo sorriso debochado no rosto:
- Isso, é pra você aprender a nunca - ao que sua feição transformou-se em algo assustador, enquanto elevava aquela espada ao ar, realizando um giro em torno de si mesmo - NUNCA MAIS comer um Zephyr!
Descendeu sobre ele um corte tão violento, e tão transtornado estava pelo ocorrido inesperado, que não reagiu. Rolou ao chão, vendo suas pernas tombarem para trás, agora separadas do tronco. Com a cabeça voltada ao solo, sentiu por um segundo uma alfinetada na cabeça, e de uma hora para outra, toda dor, fome, ânsia, raiva, ou qualquer inquietação que o assolava se fora.

Agora uma claridade surgia, diferente das outras antes incômodas, reconfortava-o plenamente. Fechou os olhos, e ouviu uma voz suave e quente dizer-lhe ao pé do ouvido:
- Agora, tens a chance de tentar de novo.

Vultos Incógnitos  

Posted by Harijan D

Caro colega de interesses e propósitos.

Já conseguiu imaginar a existência de um grupo de senhores, adoradores das artes profanas, com a capacidade de manipular muito mais do que podemos ver, agindo nesse instante, realizando uma sequência de fatos e planos inescrupulosos, alterando o rumo de nossas vidas e de todo o resto?

De fato, eu também achava que essas teorias da conspiração fossem manifestações de loucura, ou assuntos de indivíduos que não possuem interesse em aprimorar-se. Mas de fato, elas têm fundamento. E é a presença deles que confirma. Tão forte é, que só agora, consigo notar seus dedos maquiavélicos realizando uma dança macabra, desejando assim, subjugar nossa realidade.

Eles são secretos. Tão ocultos que nem mesmo sabem da existência um dos outros. Apenas sentem-se, independente de distâncias, cooperam entre si com a certeza do subconsciente. Suas ações meticulosas e perspicazes interagem de forma secular, irrevogáveis pela sua natureza obscura.
Seus objetivos são diversos, cada qual com sua própria lei de interesses, seguindo-as tão rigorosamente quanto as quatro estações, sucedendo uma a outra, operando harmoniosamente sem nenhuma falha que interfira no que convém aos seus ideais.

Um está obcecado com a forma de outrem, querendo aquilo que não consegue ser do modo como deveria, buscando algo que convém com sua natureza morbida. Em seus devaneios por sua busca, acaba por negligenciar o agora, sendo o menos favorecido em relação aos outros.

Outro, deseja tanto manter as tradições que mantiveram seu legado, que foi o primeiro a sucumbir. Cega-se para as infinitas possibilidades das novas mudanças e tendências, fechando-se num castelo de irracionalidade. Seu medo acaba por guiá-lo numa existência contraditória, pois na busca de defender o que acredita, causa mais dor, proliferando assim, seus adversários.

Existe um que na sua loucura, constrói noite e dia artefatos que ninguém jamais usará. Busca a estrutura perfeita para realizar seus projetos nefastos, porém não são muitos aqueles que apreciam seu trabalho. Seus objetivos não são claros, sendo o mais misterioso dentre eles em seus ideais.

Já este outro, que antes fora um ser temido nas profundezas de outros mares, agora espalha sua fama pela superfície, em proporção à sua ambição insaciável. Demonstrando nenhum remorso, característica peculiar também aos outros membros, e aqueles que interferem em seu caminho, acabam por sofrer arduamente em suas mãos vingativas. Porém é de todos, aquele com o maior número de rivais, proporcionando uma vida intensa de um futuro incerto, servindo de entorpecente para seu instinto desumano e voraz.

Dentre eles, um está mais do que todos, focado em perseverar com aqueles de sua origem. Tamanha é sua compaixão pelos seus próximos, que qualquer sentimento ou pensamento a respeito de diferentes, ao vagar por sua mente, é convergido em aversão, ódio e desrespeito indiscriminado. As vendas nos olhos deste acaba por influenciar seu povo, de tal maneira, que alterando a história de poucos, cria eventos culminantes que distorcem o futuro de muitos, inclusive o próprio. Acredito eu, que de todos, seja o mais afável.

O que mais temo, está entre nós. Este, manipula mais do que imaginamos, influencia mais do que percebemos, e acaba por fim, a traçar rumos na nossa história diferentes dos escolhidos pelo Destino. Sua inquietação é tanta, que a satisfação não habita mais seu ser, buscando a todo instante a ampliação de sua teia de intrigas. Seus objetivos são um pesadelo para quem os descobre, o domínio de nosso povo!

No entanto, todos estes acabam por reger suas ações de acordo com o um maior. O líder enclausurado. Este, é o mais temível de todos, mas ao mesmo tempo o menos preocupante, pois enquanto sua busca está em algo além das nuvens, acaba por se abrandar em assuntos Terrenos. Não se move, mas se o fizer, provavelmente perderemos em alguns poucos segundos, o que demorou séculos para ser construído. Sobre este, acredito ser desnecessário preocupar-mo-nos, pois ele está, de alguma forma, sob controle.


Minha fonte sobre tais informações é mais do que secreta, porém suficientemente segura para afirmar que estes eventos são, infelizmente, palpáveis.

Não quero deixa-los preocupados, porém não posso negar a importância do acontecimento que foi descobrir tais informações, e como isso alterará daqui por diante nossas ações, pois isto nada mais é, do que uma possibilidade sempre presente no universo dos opostos.
Busco agora, reunir mentes poderosas e capazes o suficiente para descobrir mais sobre os mesmos, e de algum modo, evitar futuras catástrofes. Não sabemos a natureza de sua origem, nem quem são em realidade. Apenas que estão conosco, o tempo todo, em todos os lugares. E rezo para que as forças opostas a eles, em algum momento, clareiem nossas mentes para sua existência, e de algum modo, nos ajude...

De seu sempre obstinante amigo, Garnagonel de Barunovirag

Para casa  

Posted by André M

Corria. Enquanto o galope da montaria deixava a trilha dum som surdo, e no chão, as marcas da pisada forte, o sangue corria. Corria veloz nas veias; veias que harmonizavam com as do animal que montava. As veias do animal traçavam o cansaço em seu corpo, as do cavaleiro diziam a tensão da fuga.

Corria. O animal corria. O cavaleiro pensava. Pensava se deveria parar. A adrenalina corria, a bainha da espada chocava a ponta de metal ao metal do estribo. O metal vibrava, e vibrava, na mesma sintonia, a mente afiada do fugitivo. A adrenalina vibrava o corpo; o metal da espada correu pela bainha. O cavaleiro parou.

O vento assobiava veloz, e o frio navalhava seu caminho pelo rosto. Era noite de inverno. O inverno frio daquela região. O cavaleiro apeou e o capuz que cobria a cabeça correu as costas, revelando as enormes presas inferiores do maxilar potente, e a total ausência de nariz, apenas narinas. A luz da lua batia forte à encosta da montanha. Ali estavam o orc e sua montaria. O gigantesco bode montanhês carregava tudo, menos a espada. O guerreiro carregava a espada. A espada guiava o guerreiro.

Com um forte tapa no lombo fez a montaria correr. O bode escalou habilmente a encosta, caminho de casa. O outro, porém, não sabia se voltaria para casa. Um suave cheiro de pólvora salpicou o nariz treinado do guerreiro, que logo pressentiu o pior. Já estava ali!

No breu da copa de uma árvore, uma faísca vermelha queima o pavio de um rifle. A faísca brilha pequena como um vaga-lume, cintilando na periferia da visão do orc, que esperava... É mais que suficiente. Já voltado à direção do franco atirador, sacou a espada, ao mesmo tempo em que o estrondo da pólvora rompia a bala através do cano. Com um balançar semelhante ao do pescador que lança a isca na água, cortou a bala num instante.

Porém, seguido à bala, surgiu o próprio rifle, que voava velozmente e agora, com a proximidade, exibia uma grande ponta de lança. A guarda da espada estava baixa após o primeiro corte, e o corpo não havia recuperado todo o equilíbrio. Com um ligeiro giro no próprio eixo, o orc evitou o golpe fatal, desviando seu coração da trajetória, mas sendo cravado pelo metal frio no ombro esquerdo.

O caçador saltou bruscamente da árvore para o ar. O espadachin olhou para cima e pôde ver, cravada na lua, a silhueta sinistra de seu inimigo, que já empunhava duas pistolas apontadas ameaçadoramente. De repente a atmosfera mudou e o frio não mais existia. Do ar, enquanto mirava o alvo, o perseguidor viu a realidade bruxulear ao redor de sua presa, que envergava os joelhos, preparando-se para saltar. Todo o cenário ao redor retorcia-se perante a grande aura de calor que emanava do corpo do orc; o ferimento no ombro esquerdo estava cauterizado.

A visão perturbadora do fogo que começava a envolver o corpo do guerreiro paralisou o caçador por um instante, mas este se recuperou rapidamente alvejando sua presa do ar. Com o salto, todo o fogo que antes envolvia o corpo do orc agora queimava na espada numa chama azulada, que a assemelhava a um gigantesco maçarico. Enquanto o franco atirador descia disparando inúmeras balas, o espadaschin subia em sua direção, atravessando o ar entres os projéteis e defletindo-os quando necessário. O orc emanava fogo dos olhos e com um golpe transversal, de baixo para cima, rompeu a espada contra o corpo de seu perseguidor. Um estrondo de rojão ecoou no céu e quando o orc aterrissou, seguido a ele, uma chuva de fuligem cobriu o solo ao redor, sem nenhum rastro do atirador... Apenas fuligem.

            Até que enfim, podia voltar para casa.

           

 



Um Mür  

Posted by Harijan D


Iorfay, atenção!

Esta manhã, aquele que consideramos como O Estranho, cometeu um delito de gravíssima consequência. Coddyth Lann, o Zephyr Azul, tentou matar nosso Grão Mestre Druída, Nutaril Vortiggern no que seria a nossa Árvore Primordial, que agora se chama O Plano do Traidor.

As circunstâncias estão sendo investigadas, no entanto, nosso líder permanece em descanso, pois nossa mãe Gaia não o quis ainda, mas em consequência levou muito de sua energia no embate pela existência.

O traidor, por algum motivo ainda desconhecido à nós, permaneceu vivo. No entanto, Gaia é soberana e irrefutável, e sábias são suas decisões. Este, que agora não mais nos pertence nem nós a ele, vaga pelo mundo corrupto dos De Fora, e em pouco tempo seu ciclo será interrompido, sofrendo então o apodrecimento Terreno.
Ao fugir de seu julgamento, considerado é então, a partir de agora, um Mür-Zephyr, sendo revogado quaisquer direito sobre seu antigo cargo.

Nós, escolhidos por nascença para defendor o Primordial, não podemos relevar este fato, porém não fomos incubidos de agir pelo Ciclo, pois não podemos em nenhum instante sequer, interromper nossas atividades essênciais na luta contra a Corrupção, e devemos apenas contar que o futuro se faça certo.

Ao sinal do traidor, usem o Nargongo, e clamem pelos Sentinelas-Sempre-Acessos, pois se ele voltar, nós somos os responsáveis pela sua rota.

Traído  

Posted by Harijan D

Se perguntava como havia chegando a esta situação. Seus pés estavam encharcados, com areia nos dedos que deixavam seus passos, já descrédulos, inconfortáveis com o atrito, enquanto as ondas fracas daquela praia morta afagavam tristemente os tornozelos. Olhava ao redor, e embora sempre soubesse da possibilidade de algo assim ocorrorer, tendo escolhido a vida que levava, não queria acreditar no fato de ter sido abandonado, alí, pelos seus companheiros.
Levantou o braço e em algumas fracções de segundos, amaldiçoou-os evocando inúmeros nomes, mas não realizou o ato. Seu rosto contorceu-se de raiva, e fechou os olhos segurando o choro. Sem forças, despencou de joelhos ao chão de areia.

Olhou ao redor com sua face infeliz, na costa, apenas um vestígio de selva acolhida por uma neblina intensa. No mar, a pouca luz que ultrapassava a neblina daquela praia o permitia olhar pra fúria daquela imensidão d'água estranha.
As ondas debatiam-se violentamente, incontrolável. Sobre a superfície era apenas possível presenciar a explosão aquática de um grande embate entre dois demônios das águas, e em poucos metros antes da areia, uma calmaria abatia as ondas furiosas, reconfortadas pela neblina. Era possível ver o horizonte do mar, mas não o da praia. A neblina enconbria a visão. A Neblina encobria muitas outras coisas. Em nenhum momento deixou de temer a situação atual, ainda mais observando aquele barco repleto de traidores e luzes, distanciar-se cada vez mais além da brincadeira dos demônios. Mas não negava o fato de estar vivo, e se estava, era porque os demônios estavam demonstrando piedade. Virou o corpo para a praia e fez um aceno de gratidão, mas ao prosternar-se debateu com sua espada. Foi-se então toda sua apatia. Agarrou-a pela bainha, meio molhada, como o resto da arma, ergueu-a acima de sua cabeça na direção do barco, e em um silêncio sepulcral, jurou vingança! E no momento da explosão de tanta energia disposta, os demônios acalmaram-se repentinamente, mas aparentemente dando pouca atenção para o evento, pois voltaram de imediato a briga.



Levantou sem fazer um barulho, ajeitou a jaqueta de couro encharcada, chacoalhou o corpo pra tirar um pouco da areia, reajustou a bainha da espada no cinturão, tirou a lâmina, que sorria ao reluzir naquele local opaco, demonstrando, tanto nesse, quanto no gesto de ter retornado ao seu mestre, que era uma extensão do espírito do mesmo.
Segurou firme a espada pelo cabo, flexionou as pernas e o corpo em sua costumeira posição de combate. Gingou então com a graça de um espadachim muito experiente, e realizou um truque ensinado por seu mestre, mas desenvolvido à sua moda com o passar dos anos.
Rasgou a Neblina com um corte horizontal, e na abertura, uma luz brilhou iluminando-o. Não perdeu tempo, arremessou-se para dentro da fenda luminosa.

Girou, girou, até bater com as costas naquela encosta de areia. A claridade ofuscou-lhe a vista, obrigando-o a esfregar os olhos com força. Tateou o corpo verificando seu estado físico, e com olhos apertados, observou ao redor. O barco agora já estava longe, a mesma praia agora era clara com a luz do meio dia, queimando-lhe a pele sem perdão. Os demônios não mais furiosos estavam, e o mar normalizara.
A ilha agora revelava uma selva tropical de proporções gigantescas. Agora era possível ver com mais clareza, havia se livrado do temor maior. Havia passado no teste daquela ilha. Não podia mais perder tempo. Saulf precisava pagar, e sua tentativa de livrar-se do seu maior rival, fora-se. Seu capitão precisava ser vingado.

Jurou então, em nome de sua espada, de sua irmã e de seu capitão, que Drenn Nilannir faria honrar o nome do Dama da Noite, fosse o tempo que custasse, o caminho que se seguisse, e os inimigos que se mostrassem.

Relatório Sobre o Evento da Ilha Kork'ova  

Posted by andre

Arquipélago do Dromedário Cinza, Ilha Hab'oo - Quartel da Inteligência de Lúmina,



data indeterminada, ano 889L.






Esta mensagem deve ser entregue diretamente ao Grão General Zur da Guarda de Lúmina, sem intermediários.






Há semanas que a neblina havia tomado todo o arquipélago. Podíamos sentir nas nossas narinas a densidade das partículas que nos envolviam e não era um bom presságio. Sabíamos da presença de um dos membros mais poderosos da dita "irmandade" em uma das ilhas, mas não podíamos revelar nossa posição, nem constatar com a devida exatidão a localização do inimigo. Só uma certeza nos abatia, o frio. Posso afirmar com todas as forças que ainda restam a um guerreiro que viveu enúmeros cataclismas de tão enormes proporções - nunca senti tanto frio.

Nos dois primeiros dias, toda água da nossa instalação militar se viu congelada, a começar por pequenas poças e em seguida os baldes, os reservatórios até petrificar o rio que nos abastecia até sua nascente. Os recrutas que lá foram averiguar o caso e se possível trazer água para nós, viram que não só o lago da nascente estava congelado, mas após quebrar com picaretas o gelo da superfície e chegarem ao leito, se depararam com a magnitude da catástrofe que nos assolava. A água congelara até nos lençóis subterrâneos. Imediatamente mandei uma espedição de recrutas disfarçados para as ilhas adjacentes. Eu, como todo comandante precavido, temi pela vida de meus homens, sabendo que aquele estranho evento nada tinha de natural e se fosse o caso, teríamos de evacuar as imediações, pois a força extrema daquele evento seria demais para qualquer tropa do nosso nível. Ao fim do terceiro dia meus homens voltaram trazendo uma notícia emissora de tranqüilidade e ao mesmo tempo de um assombro imensurável. Na visita às ilhas que se aproximavam ao centro do arquipélago, meus soldados tiveram a visão mais aterrorizante de suas vidas até o determinado momento. Chegando no extremo norte da Ilha Lomb'oo, localizada imediatamente ao norte de Hab'oo, degladiando-se contra o frio que se extremava cada vez mais, chocou-se contra suas jovens pupilas o gélido horror. Toda a cidade de Lomb'oo estava coberta por uma camada espessa e cristalina que parecia de uma solidez indestrutível, do extremo de uma anca à outra. Os habitantes estavam paralizados nas ruas, como que pegos no meio de um dia comum. Uns parados em frente às vendas de comida, outros em cima de cavalos... todos congelados. Dos seis recrutas que foram e voltaram, um estava moribundo de hipotermia, outro catatônico, enquanto os outros quatro num balbucio trêmulo, tentavam, com frases inexatas, expressar o acontecido. Cheguei a ouvir de um deles - ... os olhos, era como se estivessem vivos - e notei a situação. Com certeza o foco daquele ataque não era o nosso grupo, mas algo de muito estranho estava acontecendo. Tive a certeza que o epicentro glacial seria a localização exata do vilão que procurávamos investigar. Mas estava de mãos atadas, no quarto dia, já acordávamos todos com pedrículas de gelo sob os olhos e tendo que nos banhar em termas improvisadas para que nossas mucosas não se solidificassem. Chegamos ao ponto de ter que selar o nosso edifício e atear fogo em tudo que podia ser feito de combustível para nos manter com vida.

No sexto dia, os humores já estavam abalados. Senti que meus homens fraquejavam e a maioria deles não saía de suas banheiras quentes. Como líder, não podia permitir o amolecimento de meus subordinados. A atitude que tomei, pode parecer um tanto quanto inconseqüente, mas ao meu ver se fez necessária. Com minhas próprias mãos, ergui na parte norte da ilha uma cabana de vigília que mantive aquecida precariamente. A chefe das cozinheiras me acompanhou. Apesar de sempre ter achado repugnante aquela volumosa fêmea Quoig, sua superabundância de tecido adiposo me foi muito útil e agradável naquela noite.

Foi pela manhã apenas que consegui fazer com que minhas pálpebras ganhassem peso. Sentado de frente para a costa nebulosa, via ao longe um enorme pernil de javali que encrustava seu caldo pelas entrancias das papilas e subia-me o aroma qua alcançava quase o topo da testa quando o alucinatório horror desabou sobre tudo e a todos a minha volta. Na profundidade do sono que me saboreava, senti um rumor quente vindo de muito longe, das minhas costas. A princípio, me aconcheguei no alento quente quase que macio daquele presságio suave de lareira. Foi quase no mesmo momento em que meus cabelos começaram a queimar, contorcendo-se pelas pontas, que minhas costas e a parte de trás das orelhas começaram a arder e ouvi o início de um estrondo aterrador. Num susto, ao me voltar para a direção do quartel contemplei durante menos de meio segundo, como a única testemunha de um apocalipse sem aviso, a potência gargântica da destruição máxima e implacável. As paredes do edifício voavam em pedaços, juntamente com os moveis, os pedaços de homens que sobravam no ar, acompanhados de uma chama que brotava como um ardente cogumelo de magma e que lançava o telhado do quartel para um ponto no céu onde se perdia de vista. Então eu tive a visão que me fez envelhecer, em menos de um quarto de segundo, a duração de um século. Vindo do centro da explosão, seguido por um rastro encandescente e faiscante, uma silhueta humanóide. Eu, que achava que o inferno já havia se resumido à minha frente num instante atrás, ao ver os olhos diabólicos de brasa
como lanternas caóticas da criatura de aerodinâmica bélica cortanto o ar em minha direção e uma ponta de lança bem a frente do rosto que cortava o ar gelado com a suavidade infernal de um feiche de luz, lancei-me para o chão, tentando ao máximo com o impacto enfiar-me sob o gelo num esforço indiscriminado de alcançar o mundo do outro lado. Foi quando senti a reverberação de uma gargalhada fumegante que passava por cima da minha cabeça, mais veloz que qualquer coisa presente no mundo. Logo levantei a cabeça, num susto como o que me voltara para o quartel acabado a menos de um décimo de segundo atrás, e olhei para o centro do arquipélago, mais precisamente a ilha Kork'ova, foco da trajetória do projétil insano, que sumiu por um instante por entre a nevoa quase sólida. E num sopro vermelho e laranja que subiu aos céus numa árvore de magma, de repente tudo era cinza e o tempo era como de lugar tropical. Do frio absoluto ao sol escaldante num segundo.


Não sei, prezado General, e sinceramente não tenho a certeza de querer saber a natureza desse evento que descrevi. O que sei é que jamais vi uma ilha inteira de magnitudes colossais como Kork'ova ser reduzida a nada como foi o acontecido. Nada General! Nada! Peço desculpas pela emotividade que expresso em meu relatório. Perdi todos os homens sob meu comando. Mando esta carta por via da cozinheira que voa de dirigível para Lúmina, com a tarefa de fazê-la chegar em mãos. Nesse exato momento em que encerro meu comunicado, pego a minha balsa e me retiro prontamente do serviço à guarda da maior cidade do mundo, parvo, envelhecido e atônito. Não terei condições de dar baixa oficialmente, peço como favor pela nossa antiga amizade. E por toda a honra que tive em combater ao lado dos bravos, peço que ache meios de pelo menos descobrir a natureza da catástrofe.

Muito obrigado,
Coronel Porco do Mar

De Coddyth para Cae'fen  

Posted by Harijan D


Lumina, Distrito do Tijolo Rachado, 13° Dia do Mês da Transição, ano 899L

Caro Cae'fen

Há muito, e eu sei que você sente, não nos falamos.
Sinto sua falta imensamente... sorrisos.

Venho viajando por uma longa, e penosa estrada. Sei que você não sabe o que é uma estrada, você é burro, coitadinho. Sempre foi, e sempre será o pior. Mas não chore. A vida não é fácil para ninguém. Então, caso tenha, por algum milagre da sua mãezinha natureza, virado um guerreiro de verdade, e recebido essa carta, ótimo, minha crença no karma chegou ao fim do fosso da desilusão. Caso não, sei que você achou essa carta numa imensa eventualidade, sem nenhuma das suas ações terem sido responsáveis ao tal encontro, como um verdadeiro fraco que és.

Mas não falemos apenas sobre você, né? Afinal, a carta é minha.

Após ter saído daquele antrozinho de herbivorozinhos, onde tudo era flor, orvalho campestre, e FRUTINHA, viajei e conheci inúmeras pessoas e lugares inimagináveis, para gente como você, claro, que nunca saiu do berçal, que é o lugar dos bebês chorões, e que não aguentaria nem sequer um segundinho de peleja de homem. Locais de grandeza e brilhos incomensuráveis, de cortinas de quedas d'água que desafiam todas as leis da lógica, rios que se elevam além das mais altas copas das mais altas árvores, ou que correm para cima, desertos com torres naturais de gelo habitadas por seres misteriosos, mares mais cristalinos que vidro, repleto de ilhas secretas, tesouros naufragados, monstros marinhos gigantes e piratas honrados e cruéis.

Enfim... quando fui-me embora, já era o melhor dos melhores, de todos os melhores que já existiram nesse lugarzinho. E aprendi que isso não quer dizer nada, como eu disse, é um lugarzinho. Mas agora eu sou o melhor dos melhores que já existiram, até onde eu sei que existe. E fico com pena de você... de imaginar o quão fraco, frágil, indefeso, incapacitado, carente, e eu diria até mesmo, meigamente desprotegido estás nesse momento.

É chato mesmo pensar no ciclo desafortunado que sua vida sempre foi.
Mas pra você se sentir melhor, fiz muitos amigos. Amigos verdadeiros. Coisa que essa gente aí das árvores não compreendem, com essa mentalidadezinha involuída de igualitarismo. Só pra você saber, os homens e outros Lúcidos são muito, muito mais interessantes que isso aí. Não buscam apenas essa mesmice de todo dia, de ficar reverenciando coisas que nem existem, fazendo oferendas para quem nem responde. Eles possuem algo que você JAMAIS vai entender... ambição!

Agora ando em companhia de um gordo. Um gnomo, que adora brigar. Mas às vezes eu soco sua barriga com muita violência, para lembra-lo quem eu sou. Ele até tenta revidar, inutilmente... pois como eu disse, é um gordo, só um gordo. Tipo aquele idiota do seu treinador, que ainda deve te bater, o Ortinho... manda um abraço pra ele, bem carinhoso, e diz que eu sinto muito sua falta. Reitere apenas que o gordo que anda comigo, é bem mais forte que ele. E mais gordo. BEM... mais gordo.

Lembra dos Trolos? Imagino que você ainda chore de medo com a pronúncia destes. Mas não se assuste, meu amiguinho, eu corto um ao meio com um golpe. Monstros não são nada senão galhos defeituosos e indejesados, prontos para a podagem. Então caso tenha berrado e atiçado a fome de um, clama-me!, e chegarei como um raio salvador. Meu poder agora vai além das nuvens, além dos Céus, além do que sua mente limitada é capaz de imaginar.

Se você não achou essa carta, então com certeza aquele barbudo desgraçado, podre e irremediável, fez você dar certo.

Abraços sinceros, do seu mais afetuoso e querido irmão, Coddyth, que se envergonha demais, Lann, mas muito feliz em ser, Mür-Zephyr.